Polarimetria

A polarimetria, uma técnica que mede a polarização da radiação, é uma ferramenta poderosa que permite aos astrónomos recolher informações, que não podem ser obtidas doutro modo, sobre objetos celestes, desde cometas próximos a galáxias longínquas.

O que é a polarização?

A polarização é uma propriedade da radiação que vemos em todos os comprimentos de onda do espectro electromagnético. É algo que nos é provavelmente mais familiar do que o que pensamos. Os óculos de sol polarizados, por exemplo, reduzem o brilho de superfícies com muito reflexo ao filtrar a luz com base na sua orientação, ou estado de polarização.

A luz do Sol, e doutras estrelas, diz-se que é não polarizada, já que oscila em todas as direções. Algumas fontes de radiação, tais como os ecrãs dos telemóveis e das televisões, emitem luz polarizada — luz que tem uma direção preferencial de oscilação. Se olharmos para estes ecrãs através de óculos de sol polarizados rodados vemos o ecrã escuro, uma vez que os óculos bloquearão a luz que oscila ao longo de uma direção desalinhada. A polarização não se limita à radiação visível, estando presente a outros comprimentos de onda tais como radiação infravermelha ou ondas rádio.

As medições polarimétricas permitem aos astrónomos aprender muito mais sobre um objeto do que se fosse medido apenas o seu brilho.

Animação que demonstra o processo da polarização. A luz é uma onda electromagnética. Normalmente o plano que contém a onda de luz pode estar em qualquer direção, no entanto uma placa polarizadora pode ser colocada para tornar uma direção mais provável do que outras e assim diz-se que a luz é polarizada.
Credit: ESO/L. Calçada

O que podemos aprender com a polarimetria?

A polarimetria tem uma vasta gama de aplicações em astronomia, desde o estudo de exoplanetas distantes à obtenção de imagens de enormes supernovas. A polarimetria permite aos astrónomos observar e medir características de objetos que nem sempre são identificáveis por meio doutras técnicas. Alguns exemplos incluem:

  • O tamanho, forma e orientação de partículas de poeira, tais como as que envolvem os cometas ou se encontram em discos protoplanetários em torno de estrelas
  • A radiação emitida por fontes ténues, tais como exoplanetas ou núcleos galácticos escondidos
  • As propriedades de dispersão de corpos que refletem a luz (tais como atmosferas planetárias ou superfícies de corpos rochosos)
  • A forma tridimensional de objetos, tais como supernovas
  • Campos magnéticos em torno de estrelas e outros objetos, como, por exemplo, buracos negros

Quando a radiação atinge electrões ou partículas de poeira no espaço, ocorre a chamada dispersão, um processo pelo qual esta radiação é re-emitida e que pode polarizar a luz. Ao observar a luz polarizada dispersada pelos grãos de poeira que envolvem um cometa, os astrónomos aprendem mais sobre as propriedades desta poeira, obtendo deste modo pistas sobre a história da vida passada do cometa. Entre outras propriedades, é possível determinar os diâmetros das partículas de poeira, assim como o seu conteúdo e compactidade.

Os astrónomos podem também usar polarimetria para determinar quão frequentemente um cometa passou por uma estrela. Cometas “puros” ou “intocáveis” parecem emitir luz que é mais polarizada que aqueles que passaram já várias vezes pelo Sol ou por outra estrela. O instrumento FORS2 montado no Very Large Telescope (VLT) do ESO estudou a poeira que envolve o cometa interestelar 2I/Borisov usando polarimetria e descobriu que se trata de um dos cometas mais puros alguma vez encontrados.

O instrumento SPHERE montado no VLT do ESO usa polarimetria para procurar discos protoplanetários — discos de gás denso e poeira que circundam estrelas recentemente formadas e que são o local de nascimento dos exoplanetas. A luz da estrela é geralmente não polarizada, no entanto, ao brilhar através da poeira dos discos protoplanetários e das atmosferas dos planetas, é dispersada e torna-se polarizada. Com polarimetria remove-se da imagem a luz não polarizada da estrela, o que permite ao SPHERE ver os discos protoplanetários com muito mais clareza. Os astrónomos pensavam que estes discos seriam muito lisos, quase como panquecas, no entanto observações polarimétricas mostraram que isso não é verdade. Um estudo levado a cabo com o SPHERE e publicado em 2016 mostrou que os discos protoplanetários têm morfologias complexas, sendo constituídos por braços em espiral, anéis, espaços vazios e sombras. Outro artigo científico de 2020 baseado em dados obtidos pelo SPHERE relata a descoberta de ondas e redemoinhos num disco protoplanetário, que podem ser causados por um jovem planeta em formação.

Este mesmo instrumento foi também utilizado para investigar a luz polarizada dispersada pela poeira que rodeia estrelas mais velhas, como Betelgeuse na constelação de Orion, o que permitiu aos astrónomos desvendar mistérios tais como por que é que uma estrela perde massa e como é que se forma uma nebulosa planetária.

A polarimetria é também usada extensivamente para estudar poderosas explosões estelares chamadas supernovas. As observações polarimétricas permitem-nos determinar a forma dos restos em expansão que circundam as supernovas, mesmo em supernovas muito longínquas para as quais não podemos ver o material ejetado propriamente dito. Se a matéria ejetada é perfeitamente esférica, a polarização irá ser cancelada em toda a nuvem; no entanto, se esta for assimétrica, a luz estará parcialmente polarizada. Por exemplo, quando o instrumento FORS1 do VLT do ESO observou um tipo especial de supernovas chamadas do Tipo Ia — que são os objetos normalmente utilizados para medir a distância a galáxias longínquas — descobriu pela primeira vez que as supernovas do Tipo Ia podem ser assimétricas.

A polarimetria permite-nos igualmente "ver" o campo magnético de um objeto. Na presença de campos magnéticos, os electrões que se deslocam a altas velocidades percorrem uma espiral e, ao fazê-lo, emitem a chamada "radiação de sincrotrão", que é polarizada. O Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA), do qual o ESO é um parceiro, foi utilizado no âmbito da colaboração Event Horizon Telescope para obter uma imagem em luz polariazada do buraco negro supermassivo situado no coração da galáxia M87. Deste modo foi possível mapear os campos magnéticos em torno deste buraco negro e aprender mais sobre a sua morfologia e física.

Os campos magnéticos podem também ser medidos combinando polarimetria com espectroscopia no óptico, uma técnica chamada espectro-polarimetria e usada no instrumento HARPS montado no telescópio de 3,6 metros do ESO em La Silla.

Como é que medimos a luz polarizada?

Para medir polarização, um telescópio tem que estar equipado com um “polarizador” — um filtro que permite apenas a passagem de luz com uma direção particular de polarização. Instrumentos como o SPHERE medem tipicamente a polarização usando um polarizador vertical e um horizontal. Um raio de luz é dividido em dois canais — um com o polarizador vertical e o outro com o polarizador horizontal — e ambas as imagens resultantes são gravadas. Quando uma imagem é subtraída à outra, toda a luz que não é polarizada cancela, sobrando uma imagem que consiste apenas de luz polarizada. Este método é extremamente útil no caso da procura de exoplanetas e discos, porque a imagem resultante remove o brilho intenso da luz da estrela, sobrando apenas a luz dispersada pelo disco.

A construção de instrumentos com capacidades polarimétricas coloca-nos alguns desafios; primeiro, porque uma vez que os polarímetros bloqueiam parte da luz que viaja em direção à Terra, são mais eficazes no estudo de objetos muito brilhantes — a não ser que se usem telescópios grandes, como o VLT do ESO; segundo, os telescópios e os seus instrumentos geram eles próprios de forma intrínseca uma certa quantidade de polarização quando a luz faz ricochete nos espelhos ou atravessa vários elementos ópticos. Os engenheiros têm que minimizar estes efeitos no design destes instrumentos e obter dados de calibração para se poder estimar a quantidade de polarização intrínseca que vem do telescópio e do instrumento e não do alvo astronómico propriamente dito.

Atuais instrumentos do ESO com modos polarimétricos

Instrumento

Telescópio

FORS2 VLT (UT1, Antu), Paranal
SPHERE VLT (UT3, Melipal), Paranal
CRIRES+ VLT (UT3, Melipal), Paranal
HARPS Telescópio de 3,6 m, La Silla
SOFI New Technology Telescope, La Silla
EFOSC2 New Technology Telescope, La Silla
Vários receptores ALMA